O PARQUE LAGE COMO ESPAÇO NÃO FORMAL DE EDUCAÇÃO: UMA PROPOSTA DE GUIA DE CAMPO PARA AULAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Resumo
As Unidades de Conservação, protegidas por possuírem monumentos naturais e rica biodiversidade, representam áreas naturais com potencial para estudos, pesquisas e a construção do conhecimento, sendo reconhecidas como espaços não formais de educação. O Parque Lage integra a área da Unidade de Conservação identificada como Parque Nacional da Tijuca (PNT), no Rio de Janeiro, e nele inúmeros espaços e trilhas permitem o desenvolvimento de atividades de campo no âmbito da Educação Básica. A presente pesquisa teve como objetivo produzir um Guia de Campo para o Parque Lage visando auxiliar docentes do Ensino Fundamental II nas aulas de Ciências. O guia de campo foi desenvolvido na plataforma de design gráfico Canva®, em formato Portable Document Format (PDF) e com um total de 41 páginas. Ilustrado com imagens das áreas verdes e das construções, no seu conteúdo são desenvolvidas temáticas que conversam com o currículo de Ciências do Município do Rio de Janeiro e trazendo sugestões para trabalhar algumas habilidades propostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Para a sua construção foram consultadas a BNCC e o currículo mínimo do Município do Rio de Janeiro. A pesquisa bibliográfica sucedeu-se nas bibliotecas do Centro de Visitantes do PNT (2018) e na Escola de Artes Visuais (2019). Para os docentes que desejarem expandir suas aulas para dentro de um espaço não formal de educação, encontrarão no Parque Lage um jardim biodiverso, construções antigas, lagos, aquários e cavernas com representações de estalactites e estalagmites. Sua composição convida para uma abordagem interdisciplinar por ser um local de valor histórico, cultural e rico em elementos naturais.
Introdução
A saúde do planeta Terra é algo que chama a atenção e nos leva a refletir na vivacidade em que estamos consumindo seus recursos. As atividades antrópicas estão interferindo no clima, diminuindo a biodiversidade, levando espécies à extinção em uma velocidade sem precedente (PRIMACK e RODRIGUES, 2001) e a fragmentação dos ecossistemas naturais estão contribuindo para esse cenário (ALMEIDA e VARGAS, 2017). Esse momento crítico levou especialistas e governantes a buscarem soluções com objetivo de mitigar os impactos causados pelo homem.
Então, apresentou-se a sociedade modelos de conservar o ambiente que ainda temos. Uma dessas soluções foi demarcar territórios para promover a conservação da biodiversidade, criando Unidades de Conservação (UC), sendo a primeira localizada nos Estados Unidos, o Parque Nacional de Yellowstone fundado em 1872 (BENSUSAN, 2006). No Brasil esse conceito consolidou-se em 1937 com a criação do Parque Nacional de Itatiaia, na divisa do Estado de Minas Gerais e do Rio de janeiro. Porém, foi somente em 1988, com a Constituição Federal, que tanto os governantes como a população foram convocados a preservar e defender o ambiente, um marco para a nossa sociedade.
O modelo de conservação atual está dividido em duas categorias: as de proteção integral – mais restritivas – e as de uso sustentável que permite uma maior interação com a sociedade (ANTUNES, 2008). No Estado do Rio de Janeiro existem 53 UC, 20 de proteção integral e 33 de uso sustentável (INEA, 2018). Algumas UC se encontram em áreas urbanas, sofrendo de forma mais nítida a interferência humana, direta ou indiretamente, e essa interação pode trazer impactos para ambos – homem e natureza. Entendendo que o homem faz parte desse todo – ambiente/planeta.
Uma das UC mais visitadas do Brasil é o Parque Nacional da Tijuca (PNT) localizado no Município do Rio de Janeiro, onde se destacam pontos turísticos famosos como o Cristo Redentor, o Parque Lage e a Pedra Bonita, entre outros. O PNT, em meio a metrópole do Rio de Janeiro, atrai muitos visitantes com interesses diversos como a busca por lazer, esporte, turismos, atividades escolares e pesquisa científica. Nas dependências do Parque, os visitantes são orientados por placas interpretativas e direcionais (sinalização sustentável) dispostas nas trilhas, o que contribuiu com a diminuição de pessoas perdidas dentro do parque (SIQUEIRA et. al., 2013).
O Parque Lage é conhecido por sua beleza, presenteando seus visitantes oferecendo-lhes um clima agradável de floresta, um jardim aconchegante com moradores ilustres – animais e plantas -, fonte que jorra água, lagos, cavernas artificiais e aquário. Para aqueles apaixonados pela história e arte podem adentrar no Solar Henrique Lage que abriga a Escola de Artes Visuais (EAV) e conhecer um pouco a história desse lugar. O prédio foi construído na década de 1920 quando a propriedade pertencia ao empresário Henrique Lage (RIO DE JANEIRO, 2018). Hoje o Parque Lage é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e desde 2004 integra o PNT.
Sendo assim, locais biodiversos como o Parque Lage possibilitam a construção e troca de saberes. Ao visitar o parque as pessoas poderão fazer observações, conhecer a história do lugar, coletar dados, registrar imagens, realizar atividades educacionais e/ou de lazer. Essas possibilidades consolidam o Parque Lage como um espaço não formal de educação. A história nos conta que todo esse espaço não foi projetado para ser um local de ensino, porém os ambientes que encontramos viabilizam a construção do conhecimento em várias temáticas curriculares da Educação Básica, corroborando o pensamento de Jacobucci (2008) que descreve os espaços não formais de ensino como aqueles que nãos são projetados com o mesmo objetivo de uma instituição de ensino formal, porém suas estruturas permitem o desenvolver e a troca de conhecimentos e de saberes.
A escolha por utilizar espaços extra escolares para a realização de aulas e atividades de campo vem sendo discutida, ampliando a importância das escolas visitarem esses espaços, realizando atividades pedagógicas. Compartilhando desse mesmo pensamento temos a Doutora Educadora Vera Maria CANDAU (2019) quando nos chama a reinventar a escola utilizando novos espaços educacionais. Encontramos também na Base Nacional Comum Curricular (2018) orientações para que os educandos vivenciem os momentos de investigação, estimulando a observação e a curiosidade. Logo as visitas as UC podem colaborar com o entendimento dos conteúdos curriculares, enriquecendo as práticas no cotidiano escolar, possibilitando aos educandos fazerem observações em campo, estimulando a curiosidade e a construção de hipóteses o que somará na aprendizagem junto aos materiais didáticos apresentados em sala de aula.
As aulas de Ciências Biológicas realizadas nos ecossistemas e habitats dos organismos estudados melhoram o entendimento dos processos e do ambiente (MARANDINO et al., 2009), sendo um momento que estimula os sentidos, aguçando a curiosidade dos educandos, compartilhando suas inquietações com colegas e docentes (SENCIATO e CAVASSAN, 2004). Nesse sentido ao realizarem as atividades de campo eles poderão ouvir o canto dos pássaros, apreciar como os animais se locomovem e se alimentam, experimentar a textura e o cheiro de uma planta, sentir e comparar as diferenças de temperatura, contemplar a diversidade de cores na natureza, observar a luz que ao penetrar na água sofre o fenômeno de refração e vários outros detalhes poderão ser testemunhados com o aguçar dos seus sentidos. Poderão também ouvir histórias e contar as suas, compartilhando saberes, “(…) mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele” (FREIRE, 1987, p. 84). São momentos que ficarão na memória dos educandos.
Nesse contexto, o Parque Lage oferece um ambiente biodiverso que colabora com as atividades de campo para várias disciplinas como Ciências, Geografia, História, Literatura, Artes, entre outras, de forma isolada ou de forma interdisciplinar.
Assim sendo, com a presente pesquisa objetivou-se construir um Guia de Campo no Parque Lage para auxiliar docentes do Ensino Fundamental II nas aulas de Ciências apresentando seus espaços e sugerindo temáticas atendendo as normativas do currículo do Município do Rio de Janeiro e a algumas das habilidades propostas pela BNCC.
METODOLOGIA
Primeiramente, buscou-se um reconhecimento dos espaços físicos do Parque Lage por uma pesquisa exploratória e qualitativa, identificando a viabilidade dos seus espaços para utilização por docentes e discentes do Ensino Fundamental II. O seu acesso fica na Rua Jardim Botânico nº 414, bairro Jardim Botânico – Rio de Janeiro. As visitas foram realizadas nos dias 16 de julho, 21 de agosto (na trilha do Corcovado) e 23 de outubro, todas no ano de 2018.
A realização da pesquisa bibliográfica foi através de visitas à biblioteca no Centro de Visitantes do PNT, em novembro de 2018, e à biblioteca da Escola de Artes visuais (EAV), em abril de 2019.
Para o levantamento de dados em relação do manejo das Unidades de Conservação, criação e funcionamento, foi consultado o Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza (SNUC, 2000) e o Plano de Manejo do Parque Nacional da Tijuca (2008). Algumas obras com temáticas ambientais e de educação também foram consultadas e utilizadas como referencial teórico como: Manual do Direito Ambiental (Antunes, 2008), Conservação da biodiversidade em áreas protegidas (Bensusan, 2006), Reinventar a escola (organizado por Candau, 2013), Guia de campo do Parque nacional da Tijuca (Siqueira, 2013) e Pedagogia do oprimido (Freire, 1987). Para definir as temáticas que compõem o guia efetuou-se a pesquisa no currículo mínimo do Município do Rio de Janeiro e as habilidades propostas pela BNCC, cobradas no Ensino Fundamental II para o Ensino de Ciências.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Parque Lage possui ambientes atrativos que colaboram com as atividades de campo, dispondo de construções antigas em meio a natureza. O parque possibilita que o docente trabalhe não só o conteúdo de Ciências, mas desenvolva atividades interdisciplinares em suas aulas.
Com as visitas foi possível verificar os espaços que o parque oferece aos visitantes como: banheiros, bebedouros, lanchonetes, bancos distribuídos pelo jardim, espaços para piqueniques, trilhas em meio a sua mata, lagos, uma diversidade de espécies de vegetais, cavernas artificiais com estalactites e estalagmites, aquários incrustados nas paredes das cavernas e primatas transitando pelo jardim a procura de alimentos. Sua entrada é gratuita e funciona diariamente, das 8h às 17h.
Dados sobre a história do Parque Lage são poucos, mas podem ser consultado na Escola de Artes Visuais (EAV), localizada dentro do Solar Henrique Lage, onde abriga uma biblioteca aberta aos visitantes. Com a pesquisa notou-se a ausência de materiais/guia que auxiliassem os docentes na utilização do Parque Lage como um espaço não formal de educação. Nesse sentido, a produção de guias em UC voltados para esse propósito, além da sua importância, contribui na divulgação desses espaços.
O Guia de Campo do Parque Lage disponibilizado em formato digital possui imagens destacando nove pontos atrativos como o jardim, a torre, os lagos, os aquários, o coreto, o palácio, as cavernas, os recantos e um dos caminhos dentro da floresta. Esses espaços são sugestões para que os docentes e discentes desenvolvam suas atividades de campo, sendo dividido por cinco temas: seres vivos e o ambiente; cadeia alimentar; água; ar; as rochas e o solo (Figura 1).
Figura 1- Página do Guia de Campo do Parque Lage ilustrando
Figura 2 – Página do Guia de Campo do Parque Lage com as orientações para visitantes
Sendo as UC um espaço criado com objetivo de conservar a biodiversidade, algumas regras são estabelecidas pela gestão da unidade para uma boa convivência de quem as visita e moradores próximos. Por isso trouxemos no guia algumas orientações necessárias às visitas e as atividades de campo nessa UC (Figura 2).
Figura 3 – Página do Guia de Campo Parque Lage ilustrado com trecho de música e poesia para iniciar a temática
O Parque Lage pertenceu a algumas famílias que tiveram papéis importantes na história da cidade do Rio de Janeiro e do Brasil colônia como o governador Antônio Salema no século XVI, família Rodrigues de Freitas Mello em 1611, família Lage em 1859. Por isso o interesse de trazer para o guia a descrição de suas antigas construções o que representa um pouco dessa história (Figura 4) – o Solar Henrique Lage, a lavanderia usada por pessoas escravizadas e as cavernas. Espaços esses que revelam as possibilidades de interdisciplinaridade em abordagens com os alunos nesses ambientes.
Figura 4 – Página do Guia de Campo do Parque Lage destacando o Solar Henrique Lage e caverna com representações de estalactites e estalagmites
Figura 5 – Página do Guia de Campo do Parque Lage com as sugestões para trabalhar as habilidades segundo a BNCC
Assim, foi possível constatar as possibilidades que uma UC oferece na ampliação dos espaços educativos. Sabemos que o ambiente escolar traz um certo conforto, mas não devemos reduzir a aquisição de conhecimento a esse espaço formal. Então, a utilização de espaços não formais de educação se faz necessária enriquecendo a aprendizagem onde as experiências culturais e a socialização contribuirão nessa construção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criação de UC foi incentivada nas ultimas décadas, no entanto ainda é nítida a pouca compreensão da população do seu entorno e dos visitantes em relação a esses espaços. É um ambiente biodiverso onde encontramos monumentos naturais, espaço para lazer, observação da fauna e da flora o que possibilita uma interdisciplinaridade na construção do conhecimento dos estudantes.
Assim, promover a aproximação das escolas às áreas naturais das UC pode contribuir para uma maior valorização desses espaços, o pertencimento e a compreensão do ambiente como um todo, do qual fazemos parte. As UC são laboratórios ao ar livre e as instituições de ensino devem ter essa percepção para abranger seus espaços na construção do conhecimento escolar.
O Parque Lage possui fácil acesso e uma boa estrutura para receber grupos de estudantes, no entanto, não existia até o momento um guia ou roteiro para visitação com objetivos pedagógicos no local. O guia produzido nesta pesquisa pode auxiliar os educadores no desenvolvimento de atividades de campo dentro do parque, apontando ambientes propícios ao diálogo, tendo como foco alguns conteúdos curriculares do Ensino Fundamental II e trabalhando as habilidades segundo a BNCC.
Apesar do guia ter sido construído para a disciplina de Ciências, os espaços dentro do parque possibilitam que as barreiras entre as disciplinas sejam ultrapassadas. Sendo assim, educadores e educandos podem desenvolver a interdisciplinaridade e juntos adquirir e trocar conhecimentos, passeando por diversos assuntos interligando os saberes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, F. S.; VARGAS, A. B. Bases para a gestão da biodiversidade e o papel do gestor ambiental. Diversidade e Gestão. v. Especial. Gestão Ambiental: Perspectivas, Conceito e Casos, 2017.
ANTUNES, P. B. Manual do direito ambiental: Para cursos universitários e concursos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008
BENSUSAN, N. Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. 1 ed. Rio de janeiro: FGV, 2006.
CANDAU, V. M. (Org.). Reinventar a escola. 9 ed. Vozes. Petrópolis, 2013. p.259.
FREIRE. P. Pedagogia do oprimido. ed. 17. São Paulo: Paz e Terra, 1987.
JACOBUCCI, D. Contribuições dos espaços não-formais de educação para a formação da cultura científica. Em extensão, Uberlância: 2008. 7 v.
MARANDINO, M. Faz sentido ainda propor a separação entre termos educação formal, não formal e informal? Ciência & Educação. v. 23, n. 4. Bauru, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=1516-731320170004&lng=en&nrm=iso>. Acessado em: 23 jun. 2019.
PRIMACK, B; RODRIGUES, E. Biologia da Conservação. Londrina: Planta, 2001.
RIO DE JANEIRO (Estado). Instituto Estadual do Meio Ambiente. Mapas das unidades de conservação estadual e federal dentro do Estado do Rio de Janeiro. 2016. Disponível em <http://www.inea.rj.gov.br/cs/groups/public/@inter_dibap/documents/document/zwew/mtiz/~edisp/inea0123058.pdf>. Acessado em 19 de setembro de 2018.
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SENCIATO, T.; CAVASSAN, O. Aulas de campo em ambientes naturais e aprendizagem em ciências – um estudo com alunos do ensino fundamental. Ciência & Educação. v. 10, no 1, p. 133 – 17, 2004.
SIQUEIRA, A. E. (Org.) et al. Guia de campo do Parque nacional da Tijuca. Rio de Janeiro: UERJ/IBRAGA, 2013.